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No dia 2 de abril, o mundo se veste de azul para lembrar que a conscientização a respeito do autismo ainda é necessária — ainda que “azul para meninos” seja algo ultrapassado, definir uma cor para a causa simplifica e ajuda muito na divulgação. Mais do que um gesto simbólico, a data, instituída pela ONU em 2007, é um convite para ampliar o debate sobre inclusão, aceitação, respeito e direitos das pessoas autistas. No Brasil, a campanha de 2025 traz um tema direto e poderoso: “Informação gera empatia, empatia gera respeito!”.
A frase reflete uma realidade incontestável: o desconhecimento ainda alimenta preconceitos e limitações impostas às pessoas autistas. E todos perdem com isso, autistas e não autistas. Para muitos, o autismo ainda é um conceito distante, envolto em estereótipos que não correspondem à diversidade do espectro. “A informação é a base da transformação. Quando as pessoas conhecem o autismo, deixam de enxergar apenas limitações e passam a reconhecer potenciais”, afirma Paula Ayub, psicóloga clínica, terapeuta de família.
O impacto do desconhecimento
Apesar dos avanços nas últimas décadas, a desinformação sobre o autismo ainda tem efeitos profundos. Pais e responsáveis frequentemente enfrentam desafios desde a obtenção de um diagnóstico até a busca por suporte adequado. No ambiente escolar, a falta de compreensão sobre as necessidades dos alunos autistas e a falta de capacitação dos profissionais e infraestrutura ainda geram enormes barreiras para a inclusão.
Carlos Henrique, pai de Miguel (nomes fictícios para preservar suas identidades), de 9 anos, relata as dificuldades que enfrentou ao matricular o filho em uma escola regular. “Nos primeiros anos, fomos recusados em algumas instituições. Mesmo depois de conseguirmos uma vaga, o despreparo da equipe pedagógica dificultou muito a adaptação do Miguel”, conta. O caso de Miguel não é isolado: a falta de formação de educadores sobre autismo é um problema recorrente no Brasil.
No mercado de trabalho, a situação não é diferente. Muitos adultos autistas enfrentam dificuldades para conseguir emprego ou se manter nele. “Atualmente, todas as pessoas que buscam um trabalho têm dificuldades para conseguir um emprego. Para as pessoas autistas, multiplica-se essa dificuldade. Com acessibilidade adequada, as pessoas autistas podem trabalhar, construir uma carreira e contribuir para que as empresas sejam mais humanas, inovadoras e lucrativas”, argumenta Marcelo Vitoriano, diretor da Specialisterne Brasil, empresa especializada em treinar e empregar autistas nas empresas.
A força da empatia
Se o desconhecimento afasta, a informação aproxima — é uma lógica incontestável. Entender o transtorno do espectro do autismo (TEA) significa compreender que não há uma única forma de ser autista e que cada pessoa tem características e necessidades próprias. “Um dos grandes desafios que ainda temos atualmente em relação ao TEA são suas nuances, como o nome em si, se trata de um espectro que ocorre em três vertentes, mas não podemos esquecer que estamos falando de um ser humano que tem sua própria personalidade, vontades, emoções e que o meio também tem seu papel no quadro, quanto mais compreendermos essa condição e respeitarmos as especificidades de cada um mais avançaremos na conscientização e no respeito das pessoas com TEA”, destaca a neurocientista Emanoele Freitas, que é mãe de Eros Micael, um rapaz autista, além de psicoterapeuta especialista em análise do comportamento, especialista no diagnóstico e tratamento do autismo e doenças metabólicas, autora do livro “Transtornos do Neurodesenvolvimento – Conhecimento, planejamento e inclusão real”.
A empatia também passa por pequenas atitudes no cotidiano. Respeitar a forma como uma pessoa autista se comunica, compreender suas sensibilidades sensoriais e evitar julgamentos são formas simples, mas poderosas, de promover inclusão. “Falar sobre empatia é discursar sobre a capacidade de se colocar no lugar do outro, compreender o outro na relação com o mundo. A informação sobre o TEA aproxima os sujeitos pq contribui com a empatia, que por sua vez colaborará com a construção de um ambiente ainda mais inclusivo, respeitando as necessidades específicas de cada sujeito e promovendo o apoio necessário”, acrescenta a pedagoga Aline Lourenço Bittencour, mestre em Educação, premiada em terceiro lugar na Educa Week 2021 pelo seu relato da atuação de estudantes com TEA e autora, com Rosane Meirelle, do livro “Autismo e Ciências. O protagonismo de estudantes com TEA” (Wak Editora).
Esse olhar empático precisa estar presente em todos os espaços: nas escolas, nos ambientes de trabalho, no atendimento médico e até nas interações sociais mais simples. “Quando eu vou a um restaurante e as pessoas entendem que meu filho precisa de um ambiente mais tranquilo, isso faz toda a diferença. A inclusão é muito mais simples do que a gente imagina. Reduzir barreiras atitudinais favorece a participação dos nossos filhos na sociedade, estimula a independência e a tão almejada autonomia na vida adulta”, compartilha Tarita Inoue, psicomotricista especialista em TEA e mãe de um adolescente autista de 15 anos.
Respeito na prática
Informação e empatia, quando combinadas, levam ao respeito. E o respeito, na prática, se traduz em acessibilidade, equidade e oportunidades reais para pessoas autistas. A legislação brasileira avançou nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que os direitos das pessoas autistas sejam plenamente respeitados.
A Lei Berenice Piana (12.764/2012) reconhece o autismo como deficiência para fins legais, garantindo acesso a políticas públicas. No entanto, muitos dos direitos previstos na lei ainda não saíram do papel. ”As pessoas nunca vão respeitar alguma coisa que elas não conhecem. Não adianta termos leis incríveis se as pessoas não souberem o que é autismo. Porque se não conhecem o TEA, nunca vão conseguir respeitar o direito de alguém ou de uma condição que eles nem sabem o que é”, critica a advogada e mãe de autistas Carla Borges Bertin. Além da conscientização, o respeito também precisa estar enraizado na cultura social. Pequenos gestos de acolhimento e compreensão fazem toda a diferença na vida de uma pessoa autista. “Ser respeitado vai muito além da aceitação. Significa ter oportunidades, autonomia e poder ser quem se é, sem precisar se encaixar em um padrão imposto pela sociedade”, enfatiza Carla Bertin, que tem dois filhos autistas e é uma das coordenadoras o curso Futuro sem Medo, da Território Saber, para pais e familiares de autistas.
Aja logo!
Neste 2 de abril, a campanha “Informação gera empatia, empatia gera respeito!” é um chamado para agir. Mais do que compartilhar postagens nas redes sociais, o desafio é transformar o conhecimento em atitudes concretas que tornem o mundo mais acessível para pessoas autistas.
Cada um pode contribuir de alguma forma: educadores podem buscar formação sobre inclusão, empresas podem investir na acessibilidade de seus ambientes, e todos nós podemos ouvir mais as vozes autistas, entendendo suas reais demandas. “A mudança começa no dia a dia. São pequenas ações mais guiadas pela curiosidade do que pelo julgamento que podem, somadas, gerar um impacto gigantesco na micro e macro esferas”, finaliza Paula Ayub.
Neste Dia Mundial da Conscientização do Autismo e ao longo de todo o mês de abril, fica o convite à sociedade, sem exceção: busque informação, pratique a empatia e, acima de tudo, promova o respeito.