1 de dezembro de 2019

Tempo de Leitura: 5 minutos

O Censo da Educação Superior afirma que são 1.532, mas será que o número corresponde à realidade?

Os dados mais recentes do Censo da Educação Superior, promovido anualmente desde 1995 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), afirma que existem 1.532 autistas no ensino superior brasileiro. Apesar do número oficial, não existe uma forma exclusiva para que as instituições alcancem estes dados e, com isso, cada universidade utiliza seus próprios meios.

Entre as apurações institucionais e a publicação dos números pelo Inep, todas as informações são repassadas pela figura do pesquisador institucional. Servidor responsável por preencher os dados do sistema do Censo juntamente ao Inep, é uma figura presente nas instituições privadas e públicas. Sua responsabilidade, também, é de assegurar que os dados sejam fidedignos.

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Além das dificuldades relativas à precisão dos números, o Censo da Educação Superior leva em consideração a décima edição do Código Internacional de Doenças (CID-10), atualmente em vigor, e que será atualizado em 2022, e, como consequência, o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é subdividido em categorias em que logo entrarão em desuso. Em entrevista, o Inep justificou que o questionário será modificado em 2021.

Fora sua importância estatística, os dados do Censo da Educação Superior colaboram na criação e execução de políticas públicas, como o Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir). Mas, sem precisão de dados, a implementação de políticas é prejudicada. Neste sentido, a equipe da Revista Autismo procurou funcionários de acessibilidade e inclusão em três universidades federais de três regiões do país.

Burocracia

A Universidade Federal de Goiás (UFG), uma das principais da região Centro-Oeste do país, não possui um número exato e confirmado de autistas em seu corpo de estudantes. Os dados do Inep retornaram, em 2018, 5 alunos com “Síndrome de Asperger” e 2 com “autismo infantil” em todas as instituições federais do estado de Goiás, mas só na UFG estima-se que haja mais de 10 autistas matriculados.

Ana Claudia Antonio Maranhão Sá, atual diretora do Núcleo de Acessibilidade da UFG, afirma que há um desafio institucional. No ato da inscrição, por exemplo, os estudantes identificam suas deficiências. Os dados são repassados para o núcleo, que checa manualmente cada declaração por meio de ligações ou mensagens de email. No entanto, isso é feito de forma sistematizada apenas nos últimos anos, quando a instituição passou a ter cotas para pessoas com deficiência.

A esperança é que, em breve, os dados sejam mais precisos. Ana afirmou que, para isso, procurou a Diretoria de Gestão Técnica (DGT) da universidade, a qual, por sua vez, solicitou dados para o Centro de Recursos Computacionais (Cercomp). As planilhas geradas demonstravam diferenças em 3 diferentes pontos da matrícula dos estudantes: confirmação da matrícula online, matrícula presencial e atendimento pelo núcleo no sistema de cotas. Por isso, solicitou uma customização do sistema, prevista para até o final de 2019.

Hoje, os gráficos ainda são confusos. Os dados referentes a estudantes com deficiência são divididos em cinco categorias, parte delas genéricas; entre elas, “deficiência intelectual” e “não informado/não especificado”. Membros do núcleo acreditam que os estudantes autistas possam estar distribuídos, sem maiores critérios, nas duas categorias. Além do autismo, o diagnóstico de Altas Habilidades envolve problemas parecidos.

“Muitas vezes os diagnósticos não são fechados corretamente. E muitas vezes desconhecemos este aluno que acaba entrando na universidade, mas não sabemos quem é porque ele não nos procura e acaba passando despercebido pelo sistema. Ele tem sofrimento, tem dificuldades, mas fica sem nos acionar pelo desconhecimento do professor ou da sua unidade”, contou.

Questionada sobre as razões pelas quais o Inep ainda divide em “autismo infantil” e “Síndrome de Asperger”, Ana foi cautelosa. “Eu penso que o Inep, sendo um órgão daquele porte, essas especificidades não chegam”.

Responsabilidade

O Incluir, Núcleo de Inclusão e Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não possui precisamente o número de autistas presentes na instituição. Em entrevista, a psicóloga Camila Menezes Ferreira Guerreiro afirmou que dois estudantes eram acompanhados pelo núcleo, e um deles não está mais com a matrícula ativa.

“A universidade não possui mapeamento geral dos estudantes com deficiência que nela ingressam. O que temos é o número de estudantes [nesta categoria] que entram por cotas. Mas isso não é responsabilidade do nosso setor. Nossa perspectiva de atuação é de assessoria. Como partimos do modelo social de deficiência, em que não é o indivíduo que deve se adaptar e sim o ambiente, a responsabilidade é da universidade como um todo”, afirmou.

Como assessoria, o foco do Incluir tem sido em promover eventos de capacitação e rodas de conversa sobre deficiência, além da assistência estudantil. Em termos de autismo, Camila contou que o estudante é ouvido para que seja identificadas suas especificidades e, com a participação do aluno, o Incluir promova estratégias de acessibilidade. Também são reunidos professores e coordenações de curso, conforme as situações.

Os dados do Censo da Educação Superior 2018 retornam 25 estudantes autistas nas instituições federais do estado do Rio Grande do Sul. Conforme a classificação do Inep, são 15 dentro do chamado “autismo infantil” e 10 na categoria “Síndrome de Asperger”. Camila observou que não foram identificadas barreiras institucionais na chegada dos estudantes ao Incluir. “Muito pelo contrário, achamos que o acesso ao nosso trabalho é bem claro”.

Autodeclaração

O norte do país, estatisticamente, é o que possui o menor número de autistas. Em todo o estado do Pará são classificados apenas dois estudantes nas instituições federais com “autismo infantil” e nenhum com Asperger. No entanto, apenas no campus Belém da Universidade Federal do Pará (UFPA), são assegurados mais de 25 estudantes diagnosticados. Quem garantiu foi a psicopedagoga Rosilene Prado, coordenadora da equipe de Transtorno do Espectro Autista e Deficiência Intelectual da Coordenadoria de Acessibilidade (CoAcess).

Entrada do campus da Universidade Federal do Pará.

Segundo Rosilene, o acesso mais próximo da equipe são dos estudantes que entraram pela política de cotas. “Alguns TEAs querem concorrer no geral. Alguns se identificam [como autistas], outros não, a maioria não se identifica. Para isso, fazemos muitas campanhas nos dias 2 de abril e 18 de junho. Nessa ampla divulgação aparece um colega ou um professor de algum aluno sinalizando e fazemos toda a aproximação. Só vem pra cá se ele tiver interesse, nós respeitamos isso”, destacou.

A autodeclaração, de certa forma, é um ponto crítico na identificação do número real de autistas no ensino superior brasileiro. Envolve uma série de questões – incluindo o fato de alguns autistas que não se veem como pessoas com deficiência – até parte dos laudos médicos, ainda orientados pelo CID-10 e sem grandes especificações. “Muitos que chegavam aqui nem sabiam que movimento é esse que eles tinham, a estereotipia. E nós fazemos um trabalho neste sentido, de autorreconhecimento”, afirmou.

Apesar das dificuldades, Prado conseguiu detalhar e listar, conforme o atendimento de todos os seus estudantes, suas comorbidades. Entre elas, há dislexia, epilepsia, gagueira e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). As maiores barreiras enfrentadas por estes estudantes, segundo sua avaliação, são atitudinais, arquitetônicas e metodológicas.

Possibilidades

Diante das tensões que envolvem os subdiagnósticos, é difícil afirmar se o Censo da Educação Superior conseguirá ser mais verossímil a curto prazo. Mas ainda há passos possíveis de serem caminhados pelas universidades: os profissionais fixos do núcleos de acessibilidade, como realidade recente, precisam também encarar a novidade do autismo como deficiência. Criar pontes entre os órgãos e os estudantes em suas unidades acadêmicas é fundamental.

A figura do pesquisador institucional também, de certa forma, precisa dialogar mais frequentemente não apenas com os sistemas de gestão acadêmica, mas as instâncias que, diretamente, lidam com a temática da inclusão. São pequenos passos, mas pontos fundamentais para que mais tarde, autistas figurem melhor nas estatísticas e, consequentemente, nas políticas públicas.

CONTEÚDO EXTRA

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Jornalista, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e autor do livro "O que é neurodiversidade?".

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