1 de dezembro de 2019

Tempo de Leitura: 5 minutos

Um dos pilares do diagnóstico de autismo é o déficit na comunicação social, em algum nível. Mas parece que não são apenas as pessoas com autismo que têm esse déficit. Os grupos que formam o ecossistema envolvendo o autismo parecem não se comunicar de forma eficaz — entre si e uns com os outros. Falo de familiares, médicos, terapeutas, educadores, escolas, cientistas, universidades, indústria farmacêutica, clínicas, hospitais, planos de saúde, e por aí vai.

Uma plataforma digital, porém, está vindo com a proposta de resolver esse problema: a Tismoo.me. É um projeto ambicioso e audacioso — a ser lançado no Brasil e Estados Unidos — que pretende unir, por meio de uma rede social, os públicos ligados ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), sejam profissionais, pessoas com autismo ou seus familiares. E gratuitamente.

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Mais que isso, a ideia da plataforma é entregar conteúdo de qualidade para os diferentes participantes, como um artigo sobre comunicação alternativa para quem tem filho não verbal, ou um estudo sobre genética e fármacos a um médico, assim como dicas de empregabilidade a uma pessoa jovem ou adulta com autismo. Enfim, saber identificar o perfil de cada um e poder oferecer informação relevante e personalizada, além de conteúdo com curadoria.

Segundo estudo online Retail/eCommerce Consumer Journey Study — encomendado pelo Facebook à Accenture, em 2018, “hoje em dia, as pessoas esperam que toda experiência seja personalizada, que conteúdos relevantes cheguem a nós como por mágica”. “O nome dessa mágica é curadoria, e ela não está apenas na decisão de qual conteúdo mostrar, mas também na de qual conteúdo criar e para quem”, diz um documento do Facebook que cita o estudo. Portanto, fica claro que a palavra de ordem para 2020 passará a ser curadoria. Sinal de que a rede social do autismo está no rumo certo.

A Tismoo.me pretende “plugar” diversos outros serviços na sua plataforma, sem “reinventar a roda”. A possibilidade de buscar profissionais especialistas em autismo perto da sua localização, participar de cursos online e palestras à distância (pagas ou gratuitas), trazer ferramentas úteis para grupos e comunidades interagirem entre si e fazer com que cientistas possam encontrar autistas no perfil que buscam para estimular as pesquisas nesta área são alguns dos exemplos de serviços que devem vir com a rede social do autismo.

A estratégia é convergir esforços tendo como premissa principal trazer benefícios reais à comunidade conectada ao autismo. Enfim, haverá várias outras novidades que ainda não podem ser reveladas neste momento, mas que estão sendo cuidadosamente preparadas para trazer o máximo de benefício a todo esse ecossistema.

Desde 2017

Tismoo.me é um projeto em que estou pessoalmente envolvido desde maio de 2017, o que acabou por revitalizar ainda mais meu entusiasmo pela causa. Resultado da união de esforços entre dois nomes especialistas em TEA, a Revista Autismo e a startup de biotecnologia Tismoo (a única no mundo voltada à medicina personalizada para o autismo), onde assumi, desde então, a posição de head de conteúdo da startup, o projeto me trouxe uma missão nada trivial: fazer esse projeto acontecer.

Utilizando uma abordagem de design thinking, em um longo processo de imersão junto aos principais públicos envolvidos com a causa no Brasil e no mundo, como: médicos, terapeutas, educadores, cientistas, designers, profissionais de tecnologia, especialistas em conteúdo, além de autistas e seus familiares, a iniciativa envolveu mais de 120 pessoas na construção do conceito, em dois anos e meio de desenvolvimento.

Para o neurocientista Alysson Muotri, “a Revista Autismo tem um histórico de comunicação com autistas e com as famílias das pessoas com autismo que é admirável, publicação de qualidade que se mantém viva desde 2010. Todos a admiram muito pelo profissionalismo e a capacidade de se manter neutra, mesmo num ambiente conturbado como o do espectro do autismo, além de sempre buscar a veracidade das informações. Isso tudo a credencia para a nossa parceria”, elogiou ele, que é professor da faculdade de medicina da Universidade de Califórnia, em San Diego (Estados Unidos) e um dos sócios cofundadores da Tismoo.

A ideia, no entanto, não é nova, já tem quatro anos: “Uma plataforma de conteúdo já era nosso objetivo desde o início, em 2015, quando iniciamos a Tismoo. Este projeto começou a tomar forma, porém, quando convidamos o Paiva para liderar essa iniciativa”, relembrou Gian Franco Rocchiccioli, cofundador da Tismoo. “Este é o  segundo passo que damos em direção à medicina personalizada, avançando agora o pilar de data science, depois de uma primeira fase toda dedicada à construção de uma nova plataforma de análise genética especificamente pensada para o autismo”, explicou.

A cientista Graciela Pignatari, cofundadora e diretora executiva da Tismoo, lembra que “desde o início sabíamos da importância de sermos uma fonte confiável de informação para as famílias. Justamente por isso, nos dedicamos a construir o Portal da Tismoo publicando apenas estudos validados e fazendo palestras em todo o Brasil”. Diferente da maioria das startups que mantêm o foco em alavancar suas vendas, a Tismoo que é uma social enterprise, manteve-se inicialmente focalizada em construir um contexto mais favorável para a adoção das novas tecnologias no dia a dia das famílias.

“A nova plataforma também permitirá a troca mais precisa de informações entre famílias que estão enfrentando realidades semelhantes e permitirá muita troca de experiências”, considerou Graciela, enfatizando a estruturação de dados e data science que são o cerne da nova rede social.

“Esclarecer o papel, o significado e a importância da genética era necessariamente o primeiro passo. Com a evolução deste processo, e para dar um passo além, estamos agora levando adiante o projeto de construir uma plataforma que promova a integração de todos os principais stakeholders deste ecossistema, fazendo assim avançar uma parte importante do projeto da Tismoo”, conta Gian.

Dados, segurança e privacidade

Outra informação muito importante é a respeito de segurança e privacidade. A Tismoo.me está sendo desenvolvida com a máxima preocupação nestes dois aspectos. O objetivo é que cada um possa compartilhar seus dados com quem quiser e no período que quiser.

Como a plataforma vai permitir que as pessoas insiram seus dados, como histórico médico, anamnese, dados clínicos, medicações, exames, inclusive genéticos, cada um decidirá o alcance e a duração desse compartilhamento. Posso querer compartilhar os dados do meu filho com uma psicóloga e, depois de encerrar a terapia, revogar o acesso dela a essas informações. O controle estará na mão de cada usuário, que é o proprietário dos seus dados.

Aliás, os dados serão o cerne da plataforma. Entender os dados de cada um e usá-los em benefício dos autistas será o maior trunfo da Tismoo.me. E isso deverá ser feito utilizando as tecnologias mais modernas de estruturação de dados, inteligência artificial (IA) e aprendizagem de máquina, fruto de parceria com a Nindoo, startup de IA acelerada pelo Facebook e Artemísia. A rede social do autismo pretende unir mais rapidamente as pessoas com semelhanças clínicas e genéticas, ajudando a  estratificar os pacientes e assim permitir a conexão e uma troca de informações mais útil entre esses grupos. (saiba mais no artigo sobre a “segunda camada” do diagnóstico, na edição nº 6 da Revista Autismo)

A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que existam hoje mais de  70 milhões de autistas no mundo. Só no Brasil, estima-se que esse número ultrapasse 2 milhões de pessoas. Como o autismo impacta diretamente a família, estamos falando em uma estimativa de mais de 12 milhões de pessoas se considerarmos uma família com 6 pessoas diretamente conectadas à causa — além do autista, pais, irmãos e avós. Isso sem contar os profissionais de saúde e educação envolvidos.

Lista de espera

Com lançamento agendado para o primeiro trimestre de 2020, o projeto está na fase final de desenvolvimento do aplicativo (você pode ver algumas telas nesta reportagem). Em outubro último, foi publicado um cadastro para os interessados em entrar na rede social nesta primeira fase, quando apenas pessoas com convites poderão acessá-la, num ambiente mais controlado. Após milhares de cadastrados feitos em menos de um mês desde o início da divulgação, o formulário teve de ser encerrado no último dia 5 de novembro. Agora está no ar uma lista de espera para quem quiser entrar na segunda fase da Tismoo.me. Para se cadastrar, basta preencher seus dados no site: tismoo.me.

Uma iniciativa global

Inicialmente sendo construída em dois idiomas (inglês e português), a plataforma já nasce como uma iniciativa global, que começa em dois dos cinco principais países do mundo quando o assunto é rede social: Brasil e EUA.

Nos Estados Unidos, já temos dois eventos agendados neste mês de dezembro para fazer a apresentação da Tismoo.me — ambos no estado da Califórnia: um em português, para a comunidade brasileira, no Consulado Geral do Brasil em Los Angeles; outro em inglês, para a comunidade norte-americana, na Universidade da Califórnia em San Diego.

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

André e a Turma da Mônica em: Dinobrincadeiras

Adoção e autismo

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